Discurso de Martin Baron, editor do The Washington Post

Discurso de Martin Baron, editor do The Washington Post

Prêmio de Jornalismo Gabriel García Márquez
29 de setembro, 2016
Recentemente, eu tenho pensado sobre o ano de 2001. Naquele ano eu me tornei editor do The Boston Globe.

O que aconteceu nos sete meses seguintes foi, agora, imortalizado em um filme, Spotlight, que ganhou os prêmios de melhor filme e melhor roteiro original no Oscar de 2016.

A investigação do The Boston Globe retratada naquele filme expôs décadas de abusos sexuais acobertados pela Igreja Católica, o que até hoje continua reverberando nos mais altos níveis da igreja e entre seus fiéis.

Voltarei neste assunto. Mas existe outra razão pela qual eu tenho pensado sobre aquele ano. Isso porque não posso deixar de refletir sobre tudo que tem acontecido desde então na indústria da mídia e no campo do jornalismo.

A conexão banda larga de alta velocidade vivia sua infância no verão de 2001. A penetração da internet era limitada. Sem ela, não existia vídeo online, áudio, comunicação wireless, comunicação móvel, nem considerável compartilhamento de fotos.

Muito do que damos por garantido, hoje, no universo digital era, até então, em grande parte inexistente.

Ferramentas de pesquisas não eram o que é hoje. O Google ainda não tinha emitido ações públicas, e muitos de nós confiava rotineiramente em mecanismos de pesquisa menos potentes, que hoje são menores ou inexistentes. O Google não fez sua primeira oferta pública até 2004.

Mídias sociais não existiam de maneira significativa. O Facebook não foi fundado até 2004, o Twitter até 2006.

Vídeos não eram compartilhados. O Youtube só foi fundado em 2005.

Não existia qualquer expectativa de que poderíamos conseguir a informação que quiséssemos a qualquer tempo, de qualquer lugar, em um aparelho que pudesse caber nos nossos bolsos. O iPhone não foi apresentado até 2007.

Em resumo, nos últimos doze anos nós testemunhamos todo o avanço tecnológico que conturbou, se não devastou, nossa área.

O que aconteceu foi chocante. Nos estamos, na verdade, chocados.

Eu sequer mencionei criações mais recentes como Instagram ou Snapchat ou outros aplicativos de mensagem, bots, ou vídeos em 360 graus e realidade virtual. O que quer dizer que esta convulsão não acabou. Longe disso.

Nós tivemos que lidar com muita coisa. E não é totalmente estranho que algumas organizações celebrem apenas o fato de terem sobrevivido. Nosso trabalho ainda define a pauta das nossas comunidades e países. Nosso jornalismo permanece no centro de um vasto ecossistema de mídia, ainda que fraturado e disperso como agora.

Então, sobrevivemos. Mas, em muitos casos, mal sobrevivemos. E certamente não há espaço para satisfação ou complacência.

Há uma conclusão inescapável para toda essa mudança. Ignorá-la seria imprudente. Seria um delito.

A conclusão é: esta é uma sociedade digital, e é melhor nos adaptar. Não só adaptar, mas abraçar a mudança.

E, falando isso, a nossa não é apenas uma sociedade digital. É uma sociedade móvel. Nós temos que abraçar essa ideia também. É esperado que oitenta por cento dos adultos na terra tenham um smartphone até 2020 – daqui a quatro anos.

A internet, quase que da noite pro dia, deu a luz a uma nova mídia. Deu origem a uma nova forma de jornalismo.

Nós vimos isso acontecer antes.

Em 31 de agosto de 1920, uma estação rádio em Detroit transmitiu o que acredita-se ter sido a primeira radiodifusão de notícias. Isso representou a estréia de uma nova e poderosa mídia. O rádio nos levou a uma nova forma de contar histórias.

Em 1930, Lowell Thomas fez a primeira transmissão de notícias televisionada noturna – uma transmissão ao vivo do seu programa nacional de notícias no rádio. Com essa transmissão, outra vez, uma nova mídia nasceu. A teledifusão, também, criou sua própria forma de contar histórias.

Ainda assim, quando a internet apareceu, e depois a conexão banda larga de alta velocidade, nossa indústria reagiu como se nada fundamental tivesse mudado.

Nós vemos a Internet como uma nova forma de distribuir nosso trabalho. Por alguma razão nós não pensando nela como uma nova mídia.

Isso não é abraçar a mudança. Isso sequer é se adaptar a ela. Na verdade, nós não entendemos a mudança.

Hoje, nós podemos reconhecer, de uma vez por todas, que estamos lidando com uma mídia completamente nova.

Essa nova mídia pede por uma nova forma de contar histórias, assim como o rádio teve a sua, e a televisão teve a sua.

E talvez isso signifique que a telefonia móvel represente sua própria forma de mídia – com formas de contar histórias que se diferenciem do que encontramos quando navegamos na internet no computador ou no laptop.

Nós já estamos vendo isso acontecer. Novas e inovadoras formas de contar histórias estão sendo apresentadas: histórias que são mais informais, mais acessíveis. Histórias que utilizam todas as ferramentas que estão disponíveis para nós – vídeo, áudio, mídia social, gráficos interativos, animações, documentos originais, anotação em documentos, você escolhe.

Com essa nova mídia, a voz e a personalidade do autor são ainda mais evidentes. Os leitores querem ter uma conexão com o escritor. Isso dá uma maior sensação de autenticidade. Isso é mais autêntico.

A direção que nossa profissão deve tomar deveria ser óbvia a essa altura. Ainda assim, muitos jornalistas ainda resistem às demandas futuras.

Eles sentem-se agarrados ao passado. Eles apreciam as coisas como elas eram. Sentem-se confortáveis com elas.

Eu passei por um período de luto pelo o que eu achei que estava perdendo com toda essa mudança. Foi difícil não fazê-lo. Ainda assim, o luto deve chegar ao fim em algum momento. Nós temos que seguir em frente. Isso é verdade quando lamentamos a perda de uma pessoa próxima ou de um amigo. É verdade também na nossa profissão.

A verdade é que é inútil – contraprodutivo – resistir às inevitáveis mudanças na nossa profissão.

Então, o que vem pela frente?

Primeiro, como indiquei anteriormente, aparelhos portáteis irão dominar. Existem companhias de capital de risco que não financiam um produto digital a não ser que seu sistema central seja móvel. Empresas de mídia terão que ser focadas exclusivamente na experiência móvel.

Em segundo lugar, mídias sociais manterão a posição de supremacia na maneira como as pessoas acessam notícias e quais notícias elas acessam. As pessoas não vêem como sua obrigação procurar por notícias e informações. Nem pensam que isso é necessário. Elas esperam que notícias relevantes as encontrem – através das redes de mídia social.

São nessas redes que as pessoas estão falando umas com as outras. Logo, nós, da imprensa, devemos ter um conhecimento íntimo sobre elas. Elas serão essenciais para fazer nossas histórias serem disseminadas para milhões de pessoas.

As mídias sociais também são vitais para uma atividade que nós, dos meios de comunicação, devemos fazer melhor: ouvir. Se queremos saber o que mais preocupa as pessoas, nós devemos ouvir melhor e ouvir com mais frequência. Se você quer ouvir, vá onde as pessoas estão falando.

Em terceiro lugar, é impossível dizer, hoje, quais empresas de mídia irão dominar. A dominação está em disputa.

Com a ideia certa e sua execução inteligente, novas empresas podem se estabelecer facilmente na área. E elas devem fazê-lo.

O BuzzFeed foi fundado em 2006. Huffington Post, em 2005. Hoje, eles estão no topo dos rankings de usuários digitais mensais nos Estados Unidos.

O capital de risco tem despejado dinheiro na fundação de seus competidores. Isso é apostar dinheiro – apostar que novatos podem destituir as empresas do establishment.

E algumas das antigas empresas estão se auto-impondo desafios. Eu, orgulhosamente, coloquei o The Washington Post nesta categoria. Em outubro passado, nós passamos o New York Times em usuários digitais mensais em todas as plataformas nos Estados Unidos. Nós chegamos lá com taxas de crescimento de 70% em um ano. Agora, nós disputamos ombro a ombro com o Times.

Número quatro: tecnologia de ponta será a chave do nosso sucesso. Sem ela, o sucesso não será possível.

Nós não podemos ficar atrasados. Nós temos que liderar. Se somos retardatários tecnológicos, seremos perdedores.

Empresas de mídia deverão ter uma equipe tecnologia de ponta. Teremos que responder aos desafios de maneira ágil. Nós teremos que criar produtos que leitores e publicitários possam se engajar – e rápido. Rotineiramente, nós temos que fazer parcerias com empresas de tecnologia – Facebook, Apple, Twitter, Google, Snapchat, e certamente muitos outros, incluindo alguns que ainda surgirão.

Essas parcerias também terão que estar dentro das redações.

No The Post nós temos fomentado uma estreita relação entre a redação e o departamento de engenharia. Dezenas de engenheiros estão na nossa redação, trabalhando de perto com nossos jornalistas.

Todos nós neste meio estamos trabalhando duro. Agora, nós temos que trabalhar de maneira mais inteligente. E tecnologia é a chave. A menos que você esteja em posse das habilidades tecnológicas certas – a menos que você invista na tecnologia adequadas e distribua esse investimento corretamente – o sucesso será impossível.

Finalmente, tenho que dizer que apenas o aumento de tráfego não trará sucesso. Se você espera fazer dinheiro, inovação e criatividade no uso da receita terão de ir ao encontro do que estamos vendo na redação.


O que eu acabei de descrever é o caminho que nós tomamos no The Post desde que ele foi comprado por Jeff Bezos, o fundador da Amazon, em outubro de 2013.

Como empresa, nós fizemos uma longa viagem. Nós também viajamos rápido.

Jeff imediatamente reorientou a estratégia do The Post. Nós não seríamos mais uma empresa de mídia focada na região metropolitana de Washington. Nossa abordagem anterior era resumida em uma frase – “para e sobre Washington”.

Mas o Jeff sentiu que nós deveríamos ser nacionais e internacionais, e que deveríamos crescer rápido.

A internet, como ele observou, privou nossa indústria de muitas coisas. Entre elas, claro, a segurança de uma indústria que era cara de se fazer parte porque requisitava papel, tinta, prensas e caminhões. Mas a internet, ele apontou, também nos deu presentes – e o maior deles é a oportunidade de alcançar uma vasta distribuição a quase nenhum custo.

A questão era: e se nós fomos prejudicados porque a internet se apropriou de muito do que fazemos, por que não nos apropriaríamos dos benefícios que a internet tem a oferecer?

Afortunadamente, também, nós tínhamos uma marca que era conhecida nacionalmente e internacionalmente. E nós tínhamos um nome que inclui nele a capital do país, “Washington”, significando que isso poderia alavancar produtos em escala nacional e internacional.

Uma mudança fundamental que tivemos que fazer foi repensar nossas associações – isto é, confinar na reportagem de outros como fonte das nossas próprias histórias – não como única fonte, mas como base delas – ao invés de determinar que toda a nossa reportagem tinha que ser feita pelos nossos próprios repórteres.

Isso significou que nós poderíamos escrever histórias mais rapidamente. Também, claro, significou que nós precisamos ser especialmente cuidadosos – porque nós só poderíamos nos apoiar em publicações que tivessem um histórico de confiabilidade e alto padrão.

Isso significou um importante ajuste no comportamento da nossa redação. Não foi sem controvérsia, mas o processo foi mais suave do que eu imaginava. E isso se tornou a chave elementar de muitas novas iniciativas. Entre elas:

  • Uma equipe noturna que vasculhava a internet atrás de histórias interessantes, usando a reportagem de outros e incluindo nelas suas próprias apurações – e que, então, escreve com um estilo distinto e informal que funciona especialmente bem na internet.
  • Muitos novos blogs noticiosos cobrindo áreas especializadas, como meio ambiente, ciência, assuntos militares, a cultura da internet, paternidade e maternidade, espiritualidade, cultura pop, mundo animal, e muitos outros assuntos.
  • Adaptação mais rápida da seção de opinião do jornal para a internet. Novos colunistas não esperavam mais até o dia de suas colunas no jornal para escrever suas opiniões, e sim ressaltavam seus pontos de vista imediatamente quando o interesse do público estava no auge.
  • Recursos extras para blogs pré-existentes que já faziam grande sucesso, incluindo aqueles focados em política, economia, políticas públicas e assuntos internacionais.
  • Uma equipe de assuntos gerais que trabalhava durante o dia, começando desde cedo, e que rapidamente era capaz de cobrir notícias quentes sobre qualquer assunto necessário, mas, principalmente, que procurava histórias que estavam começando a gerar debate nas redes sociais ou que passaram despercebidas em meios menores e locais.
  • Desenvolvendo o que, nós acreditávamos, era o fluxo ideal para publicar histórias, orientando que cada departamento publique na primeira hora do dia quando a leitura na internet está em seu pico. Isso marcou uma acentuada mudança dos típicos horários do jornal, onde a maioria das histórias são entregues à tarde.

Nós também tomamos outras medidas.

Nós incluímos à nossa equipe focada em engajamento da audiência pessoas especializadas em disseminar nosso trabalho através das redes sociais e em como usar essas redes na nossa própria reportagem. Nós não estamos apenas nos concentrando no Facebook e Twitter, mas também em esquinas menos óbvias, como em aplicativos de conversa.

Nós claramente melhoramos nosso serviço de newsletter – na maneira como fazermos a curadoria, como elas são desenhadas, e quando são enviadas. Elas podem ser uma grande fonte de tráfego – e, em falar nisso, eles passam ao largo dos intermediários como Facebook, Twitter e Google e nos permite alcançar os leitores diretamente.

Nós focamos na velocidade do nosso alerta de notícias, monitorando-as de perto para ver como nos desempenhamos frente a nossos competidores e assim colocar metas para sermos os primeiros em todos os alertas de notícia que enviamos.

Nosso departamento de engenharia criou uma ferramenta que nos permite tentar múltiplos títulos, fotos e resumos das reportagens ao mesmo tempo. A que tiver melhor desempenho é prontamente enviada a todos os nossos leitores.

Nosso departamento de engenharia também desenvolveu uma ferramenta que usa “big data” para customizar nossas recomendações com histórias adicionais que possam interessar aos nossos leitores. Essa ferramenta tem um desempenho significantemente melhor que a avaliação humana.

Trabalhando com o departamento de engenharia, nós também criados o que chamamos “A rede de talentos do Washington Post”. Conforme planejávamos aumentar nossa presença nacional e internacionalmente, nós concluímos que não seria eficiente reconstruir uma rede tradicional de correspondentes pelo mundo.

Há muitos jornalistas desempregados, subempregados, aposentados prematuramente, ou aposentados mas ainda animados para trabalhar, e jornalistas empregados que tinham tempo para trabalhar para nós como freelancers. Logo, criamos uma rede online de freelancer que nos dá acesso a repórteres, fotógrafos, e cinegrafistas por todo os Estados Unidos e o mundo.

Este sistema é altamente automatizado. As pessoas podem postar seus perfis no LinkedIn e histórias para nossas avaliação como parte do nosso processo de aprovação. Com palavras-chaves eles indicam o tipo de jornalismo que elas querem fazer e suas áreas de interesse. Claro, nós temos todos os contatos deles e podemos encontrá-los geograficamente. Eles podem propor histórias – para o jornal, nossos blogs, ou qualquer área do site – e nós podemos pautá-los rapidamente quando há notícias de última hora em qualquer lugar do país – e, agora, em muitos lugares do mundo.

O processo de pagamento é rápido e fácil. Antes que os freelancers sejam pagos, é pedido que os respectivos editores avaliem o trabalho do freelancer. Como o sistema é online, o nome dos freelancers, suas avaliações, áreas de interesse e seus contatos pessoais estão disponíveis para qualquer pessoa na redação.

Nós agora temos 2.100 jornalistas pelo mundo na Rede de Talentos do The Washington Post. Isso nos ajudou quando houve massacres nos Estados Unidos e ataques terroristas além-mar. Nós não apenas temos pessoas no local para reportar, mas também pessoas pelos Estados Unidos e pelo mundo procurando por boas histórias para nos oferecer.

Em resumo, nós estamos experimentando um nível de trafico efervescente, profundo engajamento, e avançada lealdade. Tudo isso nos leva a mais assinaturas, outro dos nossos principais objetivos.

Frequentemente me perguntam se eu sou otimista sobre nossa profissão. Eu digo que sim. Aqui o por quê:

Novas formas de contar histórias estão oferecendo conexão efetiva com os leitores. Engajamento com as histórias podem ser surpreendentemente altas.

O uso de vídeos, redes sociais, gráficos interativos, documentos originais – tudo isso – podem fazer a narrativa mais vívida, mais visceral. E até mais crível porque isso significa que podemos mostrar, não apenas contar: aqui, veja você mesmo. Aqui, leia o documento que eu acabo de mencionar.

As pressões na nossa indústria estão nos forçando a prestar mais atenção nos nossos clientes – leitores, telespectadores, ouvintes – e isso é algo bom. Auto-indulgência não é mais possível. O trabalho que devemos fazer precisa ressoar entre um público que fica rotineiramente impaciente, facilmente distraído, e rapidamente entediado.

Isso não precisa significar que as histórias devem ser todas curtas. Isso não deve significar cliques a qualquer custo. De forma alguma. Histórias longas podem agarrar o leitor – e cativá-los. Mas elas precisam ser escritas de maneira convincente e apresentadas em formatos que levem em conta a maneira como as pessoas consumem informação hoje. Tudo que devemos levar em conta é o valor do tempo e da atenção do leitor.

Eu também sou estimulado pelo que vejo na nova geração de jornalistas chegando na profissão.

Eles vêm com as competências necessárias, com as sensibilidades certas. Eles podem pensar bem, escreve bem. São brilhantes, eles são enérgicos, eles estão entusiasmados. Eles amam o que o jornalismo pode fazer. Eles entendem seu papel vital na sociedade. E apreciam o fato de que existem maneiras novas e altamente eficazes de contar histórias que recorrem a todas as novas poderosas ferramentas disponíveis para nós.

Estes jovens jornalistas são verdadeiros nativos digitais. E eles estão determinados a fazer o jornalismo funcionar para a sua geração. Por isso, eu não poderia ser mais grato.

Também me sinto encorajado pela experimentação que vejo em nossa indústria. Empresas de mídia estão experimentando furiosamente, tentando diferentes modelos de negócios.

Ninguém, até onde eu sei, pode dizer ter uma cura milagrosa para tudo que nos aflige. Mas toda a experimentação, creio eu, pode produzir algumas pistas fortes acerca do caminho que a nossa indústria deve seguir.

É importante que continuemos otimistas, é importante ter esperança. Eu não vejo nenhuma outra alternativa aceitável. Eu não conheço ninguém que tenha conquistado algo enquanto esperava fracassar.

Sim, a nossa tarefa é difícil, e certamente não ficará mais fácil. Mas difícil não é impossível.

Entre tudo o que devemos fazer para nos reinventar, é importante lembrar o que permanece imutável.

Sem boas pautas – sem boas reportagens, bem escritas, bem executadas ao máximo em todos os sentidos – não iremos vencer.
Todas as ferramentas de tecnologia do mundo não podem substituir um jornalismo forte – jornalismo que informa a nossa comunidade e nosso país, que forma a base para uma sociedade civil e um governo democrático.

Há uma citação do nosso proprietário, Jeff Bezos, em uma das divisórias de vidro em nossos novos escritórios DC. Fiquei impressionado ao vê-la lá quando eu me mudei. Porque deixa claro que nós não nos fazemos favor algum se só pensarmos sobre o negócio de negócio e esquecermos de nossa missão.

Se realmente queremos ter sucesso, temos de reconhecer que missão e negócios são inseparáveis, interdependentes.
A frase do Jeff é assim:

“Eu acredito fortemente que missionários criam melhores produtos. Eles se preocupam mais. Para um missionário, não se trata apenas de negócios. É preciso haver negócio, o negócio precisa fazer sentido, mas esta não é razão pela qual você o faz. Você o faz porque há um significado que te motiva”.

Todos os verdadeiros jornalistas têm em si algo significativo que os motiva. Isso está no centro do que somos. Às vezes isso é chamado nossa marca. É mais apropriadamente descrito como nossa alma. E é a nossa bússola. Se a perdermos, nos perdemos de nós mesmos.

No centro da nossa missão, na minha opinião, é o jornalismo que mantém as poderosas instituições e os poderosos indivíduos responsáveis.

Isso me traz de volta para o filme Spotlight.

Espero que essa tenha sido a mensagem passada pelo filme – e pela investigação do Boston Globe que inspirou o filme.

Espero que os publishers, donos de veículos, e editores voltem a se dedicar a reportagens investigativas.

Espero que o público venha a apreciar a necessidade de haver reportagens investigativas e comece a entender o que é necessário para fazê-las bem.

Espero que ele faça com que o público reconheça que a imprensa é falha, mas também é necessária.

E eu espero que ele faça com que todos nós – o público e a imprensa – ouça aqueles que caíram à margem da sociedade, ou empurrado para ela. Eles podem ter algo muito poderoso para dizer.

Deixe-me contar um pouco sobre como essa investigação sobre a Igreja Católica surgiu e como se desenrolou, e como ela terminou expondo décadas de abuso sexual cometidos por padres e encobertos pela arquidiocese de Boston e pela Igreja Católica.

Essa investigação começou com o caso de um padre que foi acusado de abusar cerca de 80 crianças.

O advogado dos demandantes – os sobreviventes dos abusos do padre – disse que o cardeal e seus assessores sabiam da série de abusos e ainda assim o transferiram de uma paróquia para outra, sem avisar ninguém – não os paroquianos, e não o pároco, nem ninguém na comunidade . Os advogados da Igreja chamaram essas afirmações de irresponsáveis e sem fundamento.

Um dos colunistas do The Boston Globe investigou tudo isso. E então ressaltou que a verdade talvez nunca seria revelada porque os documentos internos da igreja estavam sob sigilo judicial, escondidos do público.

Nossa investigação começou porque nós não iríamos – não podíamos – nos contentar com a verdade nunca pudesse ser conhecida. Buscamos descobrir a verdade.

O The Globe foi ao tribunal para abrir esses documentos, e os nossos repórteres foram à campo para investigar.

O resultado foi um bem público. Uma instituição foi responsabilizada. As crianças ficaram mais seguras.

Bem depois da nossa primeira história ser publicada, em janeiro de 2002, recebi uma carta do padre Thomas P. Doyle, que tinha travado uma longa e solitária batalha dentro da Igreja em nome das vítimas de abuso.

Ele escreveu o seguinte: “Este pesadelo teria continuado se não fosse por você e os funcionários do The Globe. Como alguém profundamente envolvido, há anos, na luta por justiça para as vítimas e sobreviventes, eu te agradeço com cada parte do meu ser”
“Eu lhe asseguro,” ele escreveu, “que o que você e o jornal fizeram pelas vítimas, pela igreja e pela sociedade não pode ser calculado. A importância e as consequências disso irão reverberar por décadas. “

Há uma lição na carta do padre Doyle: A verdade não é para ficar escondida. Ela não se destina a ser suprimida. Não é para ser ignorada. Ele não se destina a ser disfarçada. Não se destina a ser manipulada. Ela não se destina a ser falsificada. Caso contrário, o mal vai prevalecer, o delito irá persistir.

Nossa missão especial como jornalistas é garantir que a verdade seja revelada.

Aqui na América Latina, vocês têm sido testemunhas de governos que procuram obstruir a verdade – e minar e destruir – nossa missão. Eles têm vitimado a imprensa através do monitoramento, do controle de recursos que vocês precisam para publicar, por meio do controle de licenças de transmissão, através de vendas forçadas a investidores conectados com o governo, através de protestos coreografados que buscam intimidá-los, através de leis que permitem o assédio perpétuo – administrativamente ou nos tribunais – mesmo quando você publica a verdade.

Os jornalistas que investigam a corrupção ou o tráfico de drogas correm risco de serem mortos, sequestrados, mutilados, ou presos – e colocam em risco suas famílias.

Todos vocês que suportam essas ameaças e ainda se mantém como soldados, defendendo o direito de livre expressão, são uma fonte de admiração.

Infelizmente, o que acontece aqui na América Latina é parte de um padrão mundial. Os governos estão tornando o nosso trabalho mais difícil através da obstrução, vigilância e intimidação.

Mesmo nos Estados Unidos, onde a Primeira Emenda da Constituição garante a liberdade de expressão e uma imprensa livre, estamos diante de ameaças.

O candidato republicano a presidente defende abertamente tornar mais severas as leis de difamação, sugerindo que ele faria certos meios de imprensa sofrerem processando-os, elevando suas despesas obrigatórias, e, possivelmente, submetendo-os a penalidades.

É comum um candidato lutar contra a imprensa durante uma campanha eleitoral. Mas o candidato republicano tem demonizado a imprensa regularmente. Ele fez disso um tema central em sua campanha para apelar por votos.

Ele também sugere que é nosso dono, Jeff Bezos, quem dita a cobertura negativa sobre ele e sua campanha porque ele teme possíveis políticas antitruste que penalizariam a Amazon.

Tudo isso, é claro, é um absurdo. Jeff Bezos não tem qualquer influência sobre a nossa cobertura. E ainda assim o candidato republicano deu a entender abertamente que, uma vez eleito presidente, buscaria se vingar contra a cobertura do Post.
Eu acredito que o próprio Jeff respondeu a isso de maneira perfeita, há alguns meses. Eu não poderia dizer melhor. Então, vou citá-lo aqui:

“Queremos uma sociedade em que qualquer um de nós, qualquer individuo neste país, qualquer instituição neste país -, se optar por – pode examinar, analisar e criticar um candidato, especialmente um candidato ao mais elevado posto no mais poderoso país do mundo.

“É crítico … O que seria chocante e perturbador é se não estivéssemos fazendo isso. Isso seria preocupante … O The Post tem uma longa tradição de analisar candidatos presidenciais como se deve, e não há maneira de ser diferente. Não faria nenhum sentido.
“… Nós temos leis básicas e direitos constitucionais… Nós temos liberdade de expressão neste país, mas é só por isso que isso funciona aqui. Temos também normas culturais que garantem isso, que você não deve ter medo de retaliação. Essas normas culturais são pelo menos tão importante quanto a Constituição”.

Além dos esforços de intimidação, há algo no mínimo tão insidioso acontecendo nos Estados Unidos. Eu não sei o quanto vocês perceberam isso na América Latina.

A Internet é o cerne desta preocupante mudança de rumo.

A internet pode ser uma fonte de boas coisas, permitindo a liberdade de expressão. Ela também permite que essa livre expressão se transforme em um mundo escuro de falsidades e conspirações. Ele permite que falsidades e conspiração sejam divulgadas para milhões de pessoas instantaneamente.

Vivemos em uma era em que os consumidores tenham escolhas quase ilimitadas. Poder escolher é bom. Mas nessa escolha, muitos foram atraídos para os meios de comunicação que apenas confirmam seus pontos de vista pré-existentes – nunca os desafia.

O mais preocupante, porém, é isso: muitos destes veículos oferecem aos seus leitores, ouvintes e telespectadores fatos que, na verdade, são mentiras.

Veículos ideológicos têm propagado a idéia de que alguém além do Osama Bin Laden e da Al Qaeda foi responsável pelos ataques de 11 de setembro – talvez o governo dos Estados Unidos ou os judeus ou os israelenses.

Eles sustentam que o presidente não nasceu nos Estados Unidos, apesar de todas as evidências mostrarem que ele nasceu, e não haver prova do contrário. Um quinto dos americanos acreditam que ele nasceu fora do país, apesar de que ele tenha nascido no Havaí. E vinte e nove por cento acreditam que ele é muçulmano, apesar de ser cristão.

Um apresentador de rádio, também o operador de um popular site na internet, espalhou a versão de que alguns tiroteios em massa eram uma farsa – que o assassinato de 20 crianças e sete adultos na Sandy Hook Elementary School, em Newtown, Connecticut, em 2012, era um embuste inventado para aumentar o apoio público pelo controle de armas. O mesmo é verdadeiro, segundo ele, para o ataque em San Bernardino, em dezembro passado, que terminou com 14 pessoas mortas.

A verificação dos fatos pela mídia tradicional tem pouco ou nenhum efeito. Nós somos alvo de suspeita, e nosso trabalho encontra resistência ou simples rejeição.

E para piorar a situação, os políticos exploram essas invenções para avançar com suas agendas. Alguns repetem essas mentiras. O silêncio dos outros também servem como apoio.

O resultado? As pessoas acreditam em muito do que é claramente falso. Muitas pessoas. E isso está causando um efeito corrosivo.
Como podemos ter uma sociedade civil forte se não concordamos sobre fatos básicos? Como podemos ter uma democracia funcional quando as pessoas aceitam mentiras como fatos?

A colunista Anne Applebaum escreveu sobre isso recentemente no The Washington Post. Ela encara o desafio com uma franqueza estimulante:

“Se diferentes versões da verdade aparecem em diferentes versões on-line; se ninguém pode concordar sobre o que realmente aconteceu ontem; se sites de notícias falsas, manipuladas ou mentirosas são apoiados por perfis falsos na internet; teorias de conspiração, sejam de extrema esquerda ou extrema direita, em breve terão o mesmo peso que a realidade”.
Agora é possível, Applebaum observou, “viver em uma realidade virtual”, onde mentiras “são aclamados como a verdade escondida.”

Entre todos os desafios que nos enfrentamos na imprensa hoje, esse é o maior desafio que enfrentamos.

É maior que nosso desafio financeiro, maior que nosso desafio tecnológico.

É por isso que nós, jornalistas, devemos nos manter fiéis ao nosso objetivo principal. Talvez sejamos alvo de suspeita. Nossas verificações podem não ser levadas em conta. Mas alguém ainda deve dizer as coisas como elas realmente são.
E nós não podemos ser tímido sobre isso. No meio de toda a conversa sobre como devemos ser justo como jornalistas nas nossas investigações – e, sim, devemos – acima de tudo, a nossa obrigação é ser justo com o público.

Isso significa que não devemos ter medo de dizer às pessoas o que aprendemos – e dizê-las da maneira mais direta que possamos.
Esse é o nosso dever para com o público. Não importa que desafios e dificuldades enfrentamos, este é um dever que nunca devemos abandonar.

Obrigado por me convidar, e obrigado pela atenção.